Dormir bem é extremamente importante para a saúde física e mental de todos nós. Noites mal dormidas podem representar um sério problema para o funcionamento adequado do indivíduo e seu bem-estar geral.
No Brasil, segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 40 % da população
sofra de insônia, em seus diversos níveis de gravidade, porém nem sempre a
mesma é diagnosticada e tratada de forma adequada, muitas vezes pela própria
cronificação do quadro (com o paciente se "acostumando" a viver com
ela e minimizando seus efeitos) e outras vezes pela ausência de menção objetiva
e questionamentos por parte dos médicos nas consultas. Apesar de bastante comum,
é importante ressaltar que, naturalmente, algumas pessoas dormem menos do que
as outras. Isto não significa que elas têm insônia. A necessidade de sono é
diferente entre as pessoas e varia também de acordo com a faixa etária
específica.
Pode-se considerar que, além dos prejuízos individuais e importante
sofrimento subjetivo ocasionados aos pacientes, esse distúrbio, considerado um
problema de saúde pública, causa grandes impactos no funcionamento do indivíduo
como um todo, em suas relações interpessoais, desempenho e acidentes no
trabalho, absenteísmo, dificuldades nos estudos, queda de rendimento nos
esportes e até mesmo nas atividades de lazer. É sabido
também que muitas doenças podem ser precipitadas e/ou agravadas pela insônia,
especialmente patologias cardiovasculares (HAS – hipertensão arterial
sistêmica, por ex) e metabólicas (obesidade, diabetes).
Segundo
a classificação do DSM-5, da Associação Americana de Psiquiatria,
existem alguns critérios a serem observados para o diagnóstico correto da insônia,
entre eles:
a) Queixa de
insatisfação com a quantidade ou a qualidade do sono
em associação
a um (ou mais) dos seguintes sintomas: dificuldade de iniciar o sono;
dificuldade de manter o sono (frequentes despertares / problemas para voltar a
dormir após o despertar); despertares precoces pela manhã
b)
Comprometimento
do funcionamento social, ocupacional, educacional, acadêmico,
comportamental ou de outra área importante
c) Dificuldade
de dormir ocorre
pelo menos três vezes por semana d) Dificuldade de dormir
está presente durante
pelo menos três meses
Diversas
causas estão relacionadas à fisiopatologia da insônia, dando à mesma um modelo
multifatorial. Assim, na avaliação do paciente com esse
distúrbio, devemos pesquisar: a
vulnerabilidade genética, doenças comórbidas associadas, além de situações do
ambiente que possam estar desencadeando (ou agravando) um quadro de dificuldade
de se iniciar ou manter o sono, tais como excesso de luminosidade, de estímulos
e ruídos e temperatura ambiente desagradável.
Distúrbios
psiquiátricos também podem estar relacionados à insônia. Os mais comuns são:
transtornos de ajustamento/adaptação (reações ao estresse), transtornos do
humor [a prevalência da insônia nos quadros depressivos é cerca de 80%,
especialmente insônia terminal, transtornos de ansiedade,
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, entre outros. A insônia também pode agravar esses mesmos
problemas, acentuando quadros de disforia, irritabilidade, cansaço, desatenção,
sensação de esgotamento físico e mental, hipersonolência diurna, além de
queixas de disfunção sexual. Já em relação aos quadros clínicos (orgânicos) que também
podem contribuir para um sono irregular, destacam-se: doenças neurológicas
(Alzheimer, Parkinson, Enxaquecas), doenças cardíacas e pulmonares (insuficiência
cardíaca congestiva, angina, asma, DPOC), doenças gastrointestinais (como o refluxo
gastroesofágico) e diversas outras (quadros alérgicos obstrutivos das vias
aéreas superiores, hipertireoidismo, alterações hormonais da menopausa, doença
renal crônica, incontinência urinária, doenças neoplásicas), além do uso de alguns
medicamentos e substâncias estimulantes (café, anfetaminas, nicotina), alguns
antidepressivos, esteroides, álcool, quadros dolorosos em geral, a própria apneia
obstrutiva do sono e outras perturbações
circunstanciais do ciclo sono-vigília (como, por exemplo, o trabalho em turnos)
Dessa
forma, percebe-se que a avaliação da queixa de insônia necessita ser bastante
detalhada, principalmente quando se objetiva um tratamento seguro e eficaz. Anamnese
adequada, investigação dos hábitos de vida, do padrão comportamental, ritmo de
trabalho e ambiente laboral, uso de substâncias psicoativas e medicamentos,
doenças clínicas e psiquiátricas, antecedentes familiares, tudo isso é de
fundamental importância. A polissonografia é um exame específico que ajudará a
entender o padrão de sono dos pacientes com insônia, pois avalia as diferentes
etapas do ciclo do sono e presença de apneias, por exemplo.
Contudo, é importantíssimo destacar o papel da Higiene do
Sono, ou seja, um conjunto de medidas comportamentais e orientações que deve
ser sempre reforçado (e muitas vezes ensinado) pelo médico ao paciente insone,
conforme registra a Associação Brasileira do Sono, para reeducação
e correção de hábitos inadequados conforme os descritos a seguir:
- Manter horários regulares
de sono-vigília
- Evitar cochilos,
especialmente perto do horário de dormir; ir para a cama somente quando estiver
com sono
- Não ficar acordado na cama
por períodos prolongados; evitar usar a cama para leitura, ver televisão ou
alimentar-se
- Evitar tomar muito líquido
ou fazer refeições noturnas "pesadas"
- Praticar exercícios
regulares (evitando os mesmos algumas horas antes do horário de dormir)
- Diminuir ou evitar o
consumo de substâncias estimulantes (cafeína, refrigerantes, tabaco) pelo menos
6 horas antes do horário de dormir.
Do ponto de vista medicamentoso, existem diversas opções seguras
para o tratamento da insônia, a curto, médio e longo prazos, sendo importante
sempre informar ao paciente que tal opção necessita de acompanhamento médico
regular e criterioso, especialmente pelo fato de alguns medicamentos
apresentarem efeitos colaterais e, quando usados de forma inadequada, poderem
ocasionar risco de uso abusivo, desenvolvimento de tolerância e quadros de
dependência (como os benzodiazepínicos, por exemplo).
Assim, sempre que possível, o objetivo é buscar um tratamento combinado:
farmacológico (quando necessário), psicológico e comportamental, reavaliando-se
periodicamente o padrão do sono, os distúrbios comórbidos, a funcionalidade do
paciente e suas próprias impressões subjetivas da qualidade do seu sono.